segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Por Denis Russo Burgierman - Um novo modelo produtivo

Eu tenho falado de passagem nas últimas semanas de como poderia ser um novo modelo de produção, que substitua o atual, que obviamente está falido. Hoje eu quero entrar um pouco mais fundo nessa discussão. Mais uma vez, vou citar o livro “Cradle to Cradle” (“berço a berço), de William McDonough e Michael Braungart, que acho uma obra fundamental.

Bom, a mudança básica que o livro propõe é bem simples: substituir um sistema linear por um circular. Hoje é:

recursos > produtos > resíduo

O que obviamente nos deixa com cada vez menos recursos e cada vez mais resíduos. Os autores querem que seja:

………..recursos
………/ \
resíduos – produtos

Em outras palavras, trocar um sistema que vai “de berço a túmulo” por outro que vai “de berço a berço”, de maneira que a economia continue girando bonitona mas a Terra não seja consumida no processo.
O legal do livro é que um dos autores é arquiteto e o outro é químico. Juntos, os dois têm conhecimento bem aprofundado sobre como as coisas são: da relação das pessoas com o espaço aos processos industriais. Com essa visão abrangente do mundo eles conseguem perceber com clareza o quanto nosso sistema atual é ineficaz.
Quando fabricamos um produto, nossa única preocupação é como chegar ao consumidor. Ninguém quer nem sabe se os produtos químicos usados são voláteis e cancerígenos. Ninguém nem liga se, após o uso, o negócio vai ter que passar 300 mil anos ocupando espaço num aterro sanitário. Ninguém se interessa pelo que acontece depois.
O resultado disso é que produzimos lixo numa quantidade que supera qualquer outro produto. E esse lixo é uma mistureba de milhares de substâncias diferentes – tão bem misturadas que é impossível recuperar qualquer coisa. Já que não dá para reaproveitar, toca a retirar mais recursos da natureza.
Para resolver esse problema, o livro propõe uma divisão básica entre as matérias-primas que a humanidade emprega. Há apenas dois tipos: aquelas que são “nutrientes biológicos” e as que são “nutrientes técnicos”. Nutriente biológico é matéria orgânica, que pode ser digerida e reintegrada aos ecossistemas. Nutriente técnico é aquele que, mesmo após o uso, continua tendo valor para a indústria. Por exemplo: metais e outros materiais valiosos. Nutriente biológico alimenta o metabolismo biológico, nutriente técnico alimenta o metabolismo técnico.
A coisa mais importante é separar um tipo de nutriente do outro, para que continue disponível ao respectivo metabolismo. Só que, hoje em dia, quase todos os produtos que você encontra no supermercado misturam ambos. O resultado é uma contaminação que torna impossível o reaproveitamento. Complicado? Talvez dois exemplos simples ajudem a tornar mais concreto:
– exemplo 1 – todas as embalagens de alimentos poderiam ser feitas de “material comestível”. Comestível por gente ou mesmo pelo jardim. Não há nenhuma razão para uma bolacha que é comida em 3 segundos deixe na Terra uma embalagem que ainda vai existir quando o seu tatatatatatatatatataraneto vier ao mundo. A embalagem poderia ser projetada para durar só um pouquinho mais do que o produto. Depois, quem sabe, você pode jogá-la no mato e ela vira nutriente para a terra. Para isso, claro, não dá para contaminar a embalagem (nutriente biológico) com metais pesados (nutriente técnico).
– exemplo 2 – a indústria de produtos eletrônicos poderia criar um sistema de “leasing de material”, em vez do sistema atual. Em vez de comprar uma televisão, você compra 10 mil horas de direito de usar os materiais que fazem uma televisão (nutrientes técnico). 10 mil horas depois, um sujeito vai à sua casa, pega a TV, leva para a fábrica, desmonta e cada mínimo pedacinho é reaproveitado para fazer uma nova TV, muito mais avançada. Você sai ganhando: vai ficar bem mais barato. A indústria sai ganhando: seus custos e riscos diminuirão astronomicamente ao não ter que financiar a mineração de centenas de minerais. E quem sabe quanta coisa legal pode ser feita nas áreas onde hoje estão as minas.

Interessante, não é?

Nenhum comentário:

Postar um comentário