terça-feira, 22 de junho de 2010

A resposta está na natureza?

Coluna do Denis Russo Burgierman - Revista Veja
No mês passado, fui assistir a uma palestra da americana Janine Benyus, presidente do Instituto de Biomímica. Biomímica é uma ideia bem interessante. Trata-se de uma área multidisciplinar que mistura arquitetura, engenharia de materiais, design, biologia – a ideia central é buscar inspiração em sistemas naturais para criar materiais ou processos artificiais mais eficazes e sustentáveis. Por exemplo: estudar a química de vegetais ou animais para desenvolver formas de produzir materiais tão eficientes, silenciosas e sem resíduos quanto a produção de proteínas dentro das células.
O evento foi na Marginal do Rio Pinheiros, em São Paulo, lugar poeirento, quente e sobrenaturalmente fedido. Perguntei a Janine se a biomímica tem alguma ideia para melhorar São Paulo.
– A primeira coisa que você precisa fazer é olhar para a natureza. No caso de São Paulo, qual é a paisagem natural que havia aqui antes de construírem uma cidade? – perguntou ela.
Respondi que era Mata Atlântica. Ela pareceu chocada com a resposta.
– Mata Atlântica? Tem certeza? Isso não parece nada com a Mata Atlântica… Bom, o passo seguinte é entender como a Mata Atlântica funciona, como ela atua no ambiente, e projetar uma cidade que tente cumprir essas mesmas funções ambientais.
Pegue por exemplo as chuvas.
São Paulo fica bem na cabeceira de uma bacia hidrográfica. Explico o que isso quer dizer. Bacia você sabe o que é (deve haver uma de plástico na sua lavanderia). Para resumir, uma bacia é um objeto côncavo. Jogue água na bacia – em qualquer lugar da bacia – e ela irá fatalmente correr até o centro. Jogue água fora da bacia (e por favor me poupe de duplos-sentidos eróticos) e não há chance de essa água entrar. É que a água (como aliás todo líquido e sólido que existem) tem o hábito de ser atraída para baixo pela gravidade. Assim é uma bacia hidrográfica: uma área côncava da superfície que apanha toda a água que cai nela e a empurra para o mesmo lado, morro abaixo.
A cabeceira da bacia – onde São Paulo fica – é a beiradinha dela. É a parede da bacia. É o pedaço mais alto, onde a água começa a rolar. Acrescente a isso o fato de a Serra do Mar ser também o paredão de pedra que breca as nuvens carregadas de água que vêm do Oceano Atlântico. Portanto, a Serra do Mar faz chover muitíssimo. E essa chuva toda despenca no alto da Serra, cai em São Paulo e escorre com uma baita violência, dada a inclinação do terreno. Agora, com as mudanças climáticas, essas chuvas intensas estão aumentando ainda mais.
Quando havia Mata Atlântica aqui, a floresta densa ia lentamente freando essa enxurrada. A água ia espirrando aqui, desviando ali, até chegar lá embaixo tranquila. Mas, como tiramos a mata e no lugar asfaltamos tudo, a água hoje passa que nem esguicho: à toda velocidade. No caminho, vai arrancando casas e esmagando gente e arrancando terra que causa assoreamento lá embaixo. Nos lugares onde há assoreamento, tem enchente.
E como São Paulo lida com as enchentes? Constrói “piscinões”, que são imensas “catedrais subterrâneas”, que acumulam a água e depois vão soltando devagar. Os piscinões também acumulam lixo, terra, ratos, baratas, doenças. São ótimos negócios para as grandes empreiteiras, que além de lucrarem na hora de construí-los, garantem um contrato eterno com a prefeitura, para realizar as limpezas. Sem limpeza, a capacidade do piscinão diminui e as enchentes voltam.
Enfim, piscinão, além de sair caríssimo, causa alívio apenas temporário.
Se a cidade resolvesse usar a biomímica para lidar com seu excesso de águas, faria diferente. Mudaria o solo da cidade para deixá-lo mais parecido com o da Mata Atlântica. O piso e os telhados precisariam ser mais rugosos e irregulares, para reduzir a velocidade da água. Precisaríamos de mais trechos de terra exposta, que é permeável. Precisaríamos de uma cidade que fizesse o trabalho da floresta que existia antes dela.
Esse jeito de pensar está ganhando espaço em São Paulo. Em breve um grupo de pesquisadores ligados à USP vai divulgar seu projeto de “renaturalização do Rio Anhangabaú”: uma tentativa de evitar a construção de um piscinão bem no centro da cidade dando vida a um rio que hoje está coberto de asfalto. “Vai ser mais barato e mais eficiente que o piscinão”, adianta o engenheiro Sadalla Domingo, idealizador do projeto. O melhor remédio para as enchentes paulistanas pode ser “reconstruir” seus velhos rios

Do Blog: Denis Russo Burgierman sempre escreve umas coisas legais e indica o site !sso Não É Normal, se ele indica, indico também.

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