sexta-feira, 30 de abril de 2010

Como resistir a objetos irresistíveis?

Revista Epoca- Portal G1
Uma das peças de decoração preferidas do engenheiro Donald Norman é um espremedor de laranjas criado por Phillipe Stack. Banhado em ouro e mais parecido com um inseto do que com uma utilidade doméstica, o espremedor, na verdade, não pode ser usado para fazer suco, pois a acidez da laranja estragaria o revestimento. Para Norman, Ph.D. em psicologia e autor de Design Emocional (Rocco, R$ 45), a decisão de comprar um objeto de aparência atraente muitas vezes não leva em consideração o uso que se fará dele, tal é a complexidade das reações que o design nos causa. Alguns lançamentos recentes em utilidades domésticas causam essa impressão. São tão vistosos que dá vontade de ter em casa antes mesmo de saber para que servem. Por telefone, Norman conversou com Época e deu dicas de como podemos nos comportar quando nos deparamos com esse tipo de novidade. Leia a entrevista a seguir e tente adivinhar o que são os objetos desta página.
ÉPOCA – Numa loja com utensílios domésticos, como saber qual serve para mim?
Donald Norman - Num primeiro nível, você pode se sentir atraída pela beleza do objeto. Mas no nível refexivo pode sentir-se culpada por não ser uma boa cozinheira e imaginar que esse utensílio poderia ajudá-la a melhorar suas habilidades. Aí, ao chegar em casa, você se dá conta de que não tem treino suficiente para usar a ferramenta, e fica frustrada. Então minha dica é a seguinte: se for um item barato e se você ficar com vontade de comprar, compre! Acho que todo mundo tem alguma coisa em casa que nunca usa. Se for um item caro, tenha cuidado. Tente se imaginar usando aquilo no dia-a-dia, na sua cozinha, e onde iria guardar. E, muito importante, imagine-se lavando a peça no fim. Pense em todo o cenário, em todos os aspectos da presença desse objeto na sua casa, e isso vai ajudá-la na decisão. Eu também sempre levo em conta se me apaixonei pela coisa ou não.
ÉPOCA – O que é bom design?
Norman - Bom design é aquele que dá prazer. Se um objeto dá prazer porque é bonito de olhar, está bem. Se dá prazer porque funciona direito ou você se sente bem usando, está bem também. Eu entendo que existem três níveis de design: o visceral, o comportamental e o reflexivo. O primeiro emociona pela aparência. Ele funciona mais ou menos da mesma forma para todo mundo. O comportamental emociona pelo modo como você usa o objeto. Como cada um de nós tem habilidades diferentes para usar nossas coisas, o efeito desse design sobre as pessoas varia um pouco. Uma faca de chef de cozinha, por exemplo. O chef deve amar a rapidez com que consegue picar alimentos com essa faca. Mas as pessoas comuns não devem gostar muito dessa faca, porque achariam difícil manuseá-la. O terceiro nível do design é o reflexivo. Ele emociona de acordo com a auto-imagem do possuidor desse objeto. E isso varia muito de uma pessoa para outra.
ÉPOCA – Se eu me apaixonar por uma faca e me sentir bem por tê-la em casa, ele poderá me ajudar a cozinhar melhor?
Norman - Ela pode fazer você se sentir melhor, mas não garanto que irá ensiná-la a cozinhar (risos).
ÉPOCA – Dois estudos citados em seu livro concluíram que objetos atraentes são mais fáceis de usar. Isso é sempre verdade?
Norman - Eu escrevi que, depois de lavar e polir o carro, a gente dirige melhor. E que objetos atraentes funcionam melhor. Se isso é sempre verdade? Não tecnicamente. Pense no seguinte. Se você adora seu carro, pode relevar pequenos problemas que ele apresente. Mas se você tem raiva do seu carro, se ele apresenta esses mesmos pequenos problemas, você diz: “está vendo? Aí está, é por isso que o detesto!” Isso quer dizer que a memória que temos de nossas experiências é muito mais importante do que a experiência em si.
ÉPOCA – O que hoje conhecemos como faca foi inventado milhares de anos atrás. Com características diferentes talvez, mas o que antes era uma faca continua sendo uma faca. O que faz um design sobreviver ao tempo?
Norman - Normalmente os que sobrevivem são os mais simples, como as ferramentas. Um aspecto importante dessas invenções perenes é que a pessoa que inventava era a mesma que usava. Os inventores têm assim um bom feedback sobre seu produto. Hoje existem facas muito melhores do que aquelas lapidadas séculos atrás, mais duráveis, mais afiadas. As características foram aprimoradas, mas a função básica é a mesma.

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