terça-feira, 11 de maio de 2010

Desobedeça

Por Denis Russo Burgierman - Revista Veja

– É uma criança tão boa, tão obediente!
O equívoco começa bem cedo na vida. Desde a primeira infância, a criança aprende a acreditar que ser “bom” é sinônimo de ser “obediente”. Mas não é. Aliás, muito longe disso. Quem quer realmente ser bom necessariamente vai ter que desobedecer autoridades em algum momento da vida.
Prova disso é o clássico Experimento de Milgram, conduzido em 1964 nos EUA. A ideia foi do psicólogo Stanley Milgram, que queria estudar a propensão humana a obedecer a autoridade, mesmo quando isso implica em ser cruel com outros seres humanos (Milgram estava interessado em entender como Hitler foi capaz de mobilizar milhões de pessoas comuns no seu projeto genocida).
Foi um experimento engenhoso (e que hoje certamente seria considerado antiético). Começou com a publicação de um anúncio num jornal pedindo voluntários para um estudo sobre memória e aprendizado.
Os voluntários que se candidataram foram recebidos por um cientista de jaleco branco que explicou o experimento. Eles teriam que se sentar em frente a um vidro e operar uma máquina cheia de botões. Do outro lado do vidro, haveria outro voluntário, um senhor afável, que teria que decorar e repetir uma série de palavras. A cada palavra errada, o voluntário teria que apertar um botão, e o senhor do outro lado do vidro levava um choque. A cada erro, o choque ficava 15 volts mais forte. No final, o senhor dava gritos desesperados e dizia que ia morrer porque tinha um problema cardíaco. Os choques eram fortíssimos e o botão continha avisos de que havia risco de vida.
Bom, nada disso era verdade. Não havia choque nenhum. O senhor era um ator que errava por querer. O objetivo do experimento não era medir aprendizado, mas descobrir se as pessoas seguiriam ordens mesmo com um sujeito estrebuchando de desespero. Resultado: a imensa maioria segue ordens.
65% das pessoas administrou o choque até o limite máximo, de 450 volts. Todos os voluntários se sentiram incomodados e quiseram parar o experimento quando os gritos começaram, lá pelos 300 volts. Quando eles faziam isso, o cientista de jaleco reagia com dureza, dizendo que eles precisavam continuar, que não havia perigo e que eles tinham concordado com as regras do experimento (muito embora todos eles tenham sido avisados no começo de que poderiam parar se quisessem).
Uns poucos reagiram à autoridade e disseram que parariam mesmo assim. Mas a grande maioria obedeceu. O interessante é que, nesse ponto, eles deixaram de se incomodar com o outro. Alguns até começaram a demonstrar uma certa raiva sádica ao apertar o botão. A presença da autoridade como que “desligou” a culpa deles, o senso de responsabilidade sumiu. A partir da bronca do cientista, quase todos estavam dispostos a tudo. E, se o senhor afável morresse… Ora, não foi culpa minha, eu estava só cumprindo ordens.
Outro psicólogo famoso, que aliás estudou com Milgram na mesma escola do Bronx, em Nova York, é Philip Zimbardo, ainda ativo na Universidade Stanford (Milgram morreu em 1984). Zimbardo é autor de outro estudo clássico (igualmente questionado pela ética científica de hoje), o Stanford Prision Experiment. Ele recrutou garotos para fazer o papel de guardas e prisioneiros numa prisão fictícia. Em poucos dias, os guardas tinham virado torturadores covardes e os prisioneiros estavam tendo colapsos nervosos.
Zimbardo, comentando o experimento de Milgram, costuma dizer que o que o mundo precisa é de mais heróis. Só que, para ele, “herói” não é necessariamente alguém inalcançavelmente generoso, que entrega a vida a uma causa, como Gandhi ou Martin Luther King. Herói, para ele, é gente comum, que leva sua vida, mas que, quando vê algo errado acontecendo, tem coragem de dizer não (veja a palestra de Zimbardo no TED aqui).
No experimento de Milgram, algumas pouquíssimas pessoas se recusaram a dar choques, levantaram-se indignadas e saíram gritando que não participariam mais daquilo. Quando isso acontecia, todos os outros voluntários na sala recusavam-se também a continuar. Um único herói, provou-se então, tem o poder de catalisar uma reação positiva enorme.
A questão é que, quando educamos nossas crianças apenas para serem obedientes, a chance de elas agirem com heroísmo quando a oportunidade aparecer é minúscula. Crianças boas são aquelas que, quando chega a hora de escolher entre o certo e o errado, são capazes de desobedecer.

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