terça-feira, 11 de maio de 2010

Estilo gafanhoto

Por Denis Russo Burgierman - Revista Veja

O capitalismo não é o inimigo.
O inimigo, como eu já falei outras vezes, é uma certa mentalidade, e essa mentalidade é dominante tanto entre os “neoliberais” quanto entre os “comunistas”. “Capitalismo e socialismo são irmãos”, me disse numa entrevista semana passada o Secretário do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, Eduardo Jorge. Irmãos, filhos da mesma herança cultural, com a mesma visão de mundo, que Jorge define assim: “há o econômico e há o social, que precisam ser equilibrados. Os recursos naturais são inesgotáveis e existem unicamente para dispormos deles infinitamente, seja para o econômico, seja para o social”. Esquerda quer que a balança penda pro social, direita puxa pro econômico, mas as duas estão igualmente erradas no essencial: os recursos não são infinitos.
A coisa central que precisa mudar, para a conta fechar, é essa crença que nós temos entranhada de que é preciso crescer sempre. Se a economia brasileira era de 1 trilhão em 2005, precisa ser de 1 trilhão e tanto em 2006, e precisa crescer todo ano para sempre. Veja bem, não me entenda mal. Não estou dizendo que crescer seja ruim. É bom, óbvio, e crescimentos precisam ser celebrados. Mas o financismo da nossa cultura impõe mais que isso: ele quer que crescimento seja a regra geral do mundo. Tudo tem que crescer sempre, todo ano. As empresas estabelecem metas de crescimento, e essas metas tendem a ser mais agressivas a cada ano. Muita empresa se exige crescer 20% de um ano para o outro, até 30%. E aí elas se medem por esse crescimento. Se crescer só 15%, não vai haver celebração: vai haver demissões, tristeza e suicídios eventuais.
Essa agressividade das metas acaba significando que muitos funcionários de grandes empresas privadas acabam se comportando mais ou menos como batedores de carteiras. Eles saem às ruas com os olhos furiosos, inventam esquemas intransparentes de empurrar produtos, disfarçam gato de lebre, lucram vendendo o que deveria ser de todos. Há uma imensa agressividade no nosso jeito de atuar no mundo, e a humanidade fica meio parecida com gafanhotos: uma espécie que se espalha rápido e que, assim que chega aos lugares, seca tudo, come tudo, caga tudo e vai embora para outro lugar.
Mudar essa crença de que o crescimento é eterno é duro. Eu sei bem. Luto contra isso todo dia. Fui criado nessa cultura, vivo sob essa lógica, no fundo tenho dificuldade de escapar dela. Sou um sujeito competitivo. Saí da faculdade, fui trabalhar numa corporação, virei madrugadas, meu colesterol subiu, minhas pálpebras tremiam. Pouco depois dos 30, eu era um executivo bem pago, que fazia algumas dezenas de milhões de reais por ano para o meu chefe, ganhava bônus todo ano e dirigia um carrão, com a gasolina “por conta”. No processo, eu vi como as coisas funcionam. Vi a pressão por transformar em dinheiro qualquer asset que me caísse na mão, fosse ele renovável ou não: credibilidade, qualidade, saúde, recursos naturais. Vi como era difícil resistir a essa cultura, por mais que as pessoas sejam decentes e bem intencionadas (e, na empresa onde eu trabalhava, eu estava cercado de gente decente e bem intencionada).
Ano passado, pedi demissão, porque fui acometido da certeza de que é preciso mudar de lógica. Vou te dizer: meu colesterol não baixou nem minha pálpebra parou de tremer. Continuo vira-e-mexe perdendo o sono com preocupações. Sabe por quê? Porque, embora racionalmente eu saiba que estou fazendo a coisa certa, meu cérebro, moldado pela lógica do crescimento eterno, vive me perguntando “mas será que você não se precipitou, Denis?” Embora eu saiba que dirigir aquele carrão com gasolina “por conta” era insustentável e fazia minha barriga crescer, de tempos em tempos meu cérebro viciado pega no meu pé (geralmente é quando eu estou me espremendo num ônibus). Embora eu saiba que eu não preciso acumular tanto, morro de medo de faltar, e se acontecer isso, e se acontecer aquilo?
Enfim, não são só as empresas e os países que querem crescer todo ano. São as pessoas também. Todo mundo acha que merece ganhar mais este ano que no ano passado. Parece que ninguém percebe que as vidas mais incríveis e marcantes são aquelas que têm altos e baixos.

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