sexta-feira, 21 de maio de 2010

Conheça a Igreja Invisível, inspirada em Raul Seixas

Revista Época
Busca por estados alterados de consciência é feita com chá de gengibre. Organização está envolvida na luta antimanicomial

A casa de número 854 da rua Tonelero virou um intrigante mistério para a tradicional vizinhança da Vila Ipojuca, na Lapa. Com todas as janelas da extensa fachada vedadas, as únicas pistas do que acontece ali estão sobre a porta principal: um enigmático endereço do site Igreja Invisível.com, ao lado de uma estrela de oito pontas e a chave que Raul Seixas imortalizou como o símbolo da Sociedade Alternativa. No poste de luz em frente, desenhos do músico deixam a coisa ainda mais sinistra para quem já ouviu falar de sua a ligação com rituais de magia negra. Com nome inspirado na música “Pastor João e a Igreja Invisível”, a ii, como seus membros a chamam, também pode ser considerada um caminho alternativo. “As religiões tradicionais tentam sempre nos transformar no que a gente não é”, dá uma pista a atriz e publicitária Valéria Calado, que pertenceu ao Santo Daime antes de fundar a Igreja Invisível, em dezembro de 2007. A ideia de "terceira via" também é sugerida nos versos do hino inspirador: “Eu não sei se é o céu ou o inferno/ Qual dos dois você vai ter que encarar/ E foi para não lhe deixar no horror/ Que eu vim para lhe acalmar”, escreveu Raul Seixas. No último sábado (22), dia seguinte ao aniversário de 20 anos da morte do cantor, o grupo se reuniu para o que chamam de "experiência invisível", principal cerimônia da entidade. “É uma busca de estados alterados de consciência, cada pessoa experimenta o seu”, tenta explicar Valéria. É bom deixar claro que eles não usam nenhuma droga. “O único chá que vamos servir é de gengibre”, brinca a presidente da ii. Apesar de não se ater muito a rituais religiosos, a ii tem as portas abertas como às de qualquer igreja. E quem superar a desconfiança e tocar a campainha vai ver que não há nada de macabro ali dentro. Mas, desta vez, o mistério se fez mais claro para a vizinhança, que conseguia espiar parte da cerimônia na garagem da casa: “Por causa da gripe suína, vamos fazer a experiência invisível aqui fora ", explica Dennis Brandão, marido de Valéria. Instalada quase em frente a tradicional igreja de Santo Antonio do bairro desde o início do ano, a Igreja Invisível não segue nenhum preceito religioso – apesar de seus membros se definirem como cristãos e negarem ser agnósticos. Mistura de centro cultural e espaço terapêutico, a entidade está envolvida na luta antimanicomial e comanda ações sociais para portadores de doenças mentais. “Ninguém melhor que o Maluco Beleza para ser o mentor do nosso projeto", resume Dennis.

Uma das iniciativas sociais da ii, que tem uma mini produtora de audiovisual no espaço, é o Projeto Carrano, em homenagem ao escritor Austregésilo Carrano, autor do livro Cantos dos Malditos, adaptado para o cinema no filme Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky. “ Ele foi uma vítima do sistema manicomial e da indústria farmacêutica", protesta Dennis, que era amigo do escritor, e usou seu nome para batizar o projeto de produzir dez curtas metragens protagonizados por pessoas com algum transtorno mental. Travestido de Raul, era ele quem comandava a experiência invisível aquele dia – na ausência de João, o encarregado de fazer as honras de pastor, tal como na música. “Ao final de quatro encontros teremos o personagem invisível, vamos conhecer o seu semblante. Tirem suas máscaras”, orientava Dennis, mesclando as técnicas de suas aulas de teatro com cromoterapia e música, enquanto alguns membros cuidavam dos preparativos, cortando os papéis do santinho invisível e incensando o ambiente.

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